De Palavras e Sonhos

terça-feira, agosto 30, 2005

Porta Branca II: Uma gota de céu

Um dia acordei e o mundo dividia-se em duas cores. Por cima de mim ficava o branco e por baixo o vermelho.
Embora ambos se espalhassem pelos fundos do horizonte, havia uma diferença entre as cores: o vermelho era líquido.
O meu corpo, suspenso no ar, pairava mesmo por cima do oceano vermelho.
Inclinei-me sobre ele e molhei a mão direita.
Nunca as minhas mãos tinham tocado algo tão suave. Não era totalmente líquido, mas também não era espesso, tinha uma espessura que se fazia acompanhar de um leve calor.
Levei a mão à cara e o aroma trazido pela água era simplesmente inebriante – um cheiro tão delicado quanto o toque.
Não resisti a entrar na água e mergulhei.
O meu corpo furou a água de modo tão brando que mais parecia estar a trespassar cada poro da água. Parei num ponto, e quente, aninhei-me.
Não se ouvia um único ruído. Estava em silêncio e em paz e o ar puro daquele lugar fazia-me respirar melhor que nunca. Nunca durante todos estes anos me tinha sentido assim.
Enquanto me concentrava e reconfortava nas maravilhas deste lugar, nos sentimentos virgens desta água vermelha, uma voz chamou por mim. Tirei a cabeça dos braços e olhei à minha volta.
À minha volta criou-se uma bolha branca, e do vermelho saiu uma figura não muito nítida mas que me era familiar.
Perguntou-me se sabia onde estava e eu respondi que não. Em seguida perguntou-me “Já alguma vez sentiste paz tão grande?”. Ao que respondi novamente que não.
Perguntei-lhe quem era e ela respondeu-me: “A tua alma sabe quem sou.” E em seguida fez-me novamente uma pergunta: “Sabes porque estás aqui?”
“Não” – respondi eu.
“Estás aqui porque viste o tamanho do oceano que carrego por ti. Estás aqui porque esqueceste males, invejas. Ultrapassaste-te e quiseste-me só a mim. Estás aqui porque não tiveste medo de mim, nem de ti… O vermelho que vês também é teu.”
“Agora que sabes quem sou, aceitas-me para sempre?”
“Sim, aceito!”
Mal disse isto ela dissipou-se no vermelho. Tentei alcança-la mas algo começou-me a cortar o fôlego e fiquei sem forças para falar.
Inclinei-me para trás e o meu coração começou a sugar o vermelho. Sentia algo a correr pelas veias, o meu coração batia cada vez mais devagar e lentamente a consciência ia-me abandonando.
Depois da última gota entrar pelo peito adentro encandeei-me e por fim desapareci, deixando o branco para trás.

Acordei, e ela à minha frente, sorria para mim.
Délio Melo terça-feira, agosto 30, 2005

5 Comments:

Simplesmente.... delicioso
e sem mais comentários.......
Obrigado! :)

Agora já o podes dar aquela pessoa especial! ;)
E mais uma vez me rendo às palavras e às figuras de estilo de que te serves para exprimires o que sentes, o que vês, o que imaginas... não sei...
É sempre difícil interpretar, porque, por mais que tente indentificar o que queres exprimir, é impossível despir-me da minha maneira de ver e sentir o mundo, o que, por si só, acaba por deturpar qualquer interpretação que tente fazer... por isso desta vez não me arrisco... ;) mas gostei muito, como sempre!!

beijocas
Obrigado!

Só espero que a dificuldade de perceber não seja por escrita atrapalhada.
Ainda assim, o texto resume-se a isto: amar alguém! :)
Não houve dificuldade de perceber, mas sim a dúvida de que a interpretação que eu tenha feito não se cole ao sentido que tu deste...
Ponho muito de mim quando estou a ler algo... logo, faço interpretações subsequentes à minha maneira de olhar e sentir o mundo...

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