De Palavras e Sonhos

quarta-feira, novembro 30, 2005

Caminhando com o sol

De vez em quando ouve-se dizer de alguém que a vida não tem sentido.
Na verdade até pode ter dois. No fundo, depende de quem a viver.
Acho que tudo se resume a um bom e a um mau sentido. Estes dois explicarão a vida de qualquer um.
Depois, há milhares de pequenos ramos que saiem desses dois troncos.
Do lado bom, por exemplo, temos coisas tão altas como amor, amizade, empatia, filantropia.
Do lado menos bom temos o ódio, raiva, indiferença e medo, para nomear alguns.
Dos 0 aos 80 a vida das pessoas passa por uma tentativa de equilíbrio entre os dois lados. Não que se queira um bocado de cada. Digamos que às vezes há coisas que em determinadas alturas nos fazem abrandar um bocado o ritmo natural.
Se esse lado da vida tivesse uma cor, seria provavelmente cinzenta: tudo meio nublado e tudo indistinguível entre si. Ficando o outro lado com uma tonalidade branca, onde tudo é…claro!

Eu vou tentar explicar qual o sentimento nuclear desse lado “cinzento”.
Fragilidade é aquilo de onde, tudo o que é mau para nós, e nos desvia do caminho, nasce – todas as maçãs saiem da macieira, não é?
Quando digo fragilidade, quero significar aquele sentimento trazido pelo medo, não de algo lá fora, mas de mim.
Tudo começa com a imagem que percepciono e construo dentro de mim. Se a fundação for feita sem cuidado é meio caminho andado para inveja, ódios, violência, desespero e tristeza, algo que se notará mais durante os anos que se seguem.
E será que isso leva a uma percepção correcta de nós? Não estará destinado ao Homem algo de mais nobre e valioso?
É verdade que não somos perfeitos, temos inclinação para errar, mas isso só nos diminui se aceitarmos que somos ISSO por natureza.
Quando nós estamos contentes assim pretendemos continuar, não para fugir da tristeza porque gostamos realmente daquilo que temos e de um sentimento de realização que isso nos traz.
Quando estamos tristes, qual a coisa que mais queremos? Paz.

Assim, a verdade é que todos queremos pisar o caminho por onde o sol brilha.
Importa tentar!
Por muito que haja coisas (incluindo aquelas que não controlamos) que nos deitem ao chão, nós temos a opção de levantar e continuar ou ficar deitado no chão à espera que algo ou alguém nos levante – como que à espera que o mundo pagasse tudo aquilo que nos deve.
Délio Melo quarta-feira, novembro 30, 2005 | 2 comments |

quarta-feira, novembro 23, 2005

Na sombra do desespero

O meu nome é…mais um.
Palavras levam o vento, aquilo que a história não quer lembrar.
Longe vão os tempos de terras verdes e prósperas…nada permaneceu igual.
Espalhados neste deserto, com os pés enraizados na terra, estão todos aqueles que eu um dia conheci. Basta olhar à volta para ver a erosão a que os submeti.
Há apenas uma árvore nesta prisão.
Um dia ela foi majestosa, e o passar do vento entre as suas folhas davam-me uma imagem ternurenta. Uma das coisas que melhor me sabia era estar na sua sombra quando o calor apertava.
Mesmo quando tudo à volta começou a murchar, ela era a única que ainda me protegia…até que ela morreu também.

Já não sei como remediar as coisas, sinto que vou morrer em breve.
As memórias de sentimentos verdadeiros esvoaçam, cruzando-me muitas vezes no seu caminho, enquanto arrasto os meus pés por este chão seco, apenas para morrer mais à frente numa queda vertiginosa.
Eu tinha tudo: o amor por mim, dos meus pais e irmãos, família, amigos. Agora nem a mim me tenho.
A única coisa que agora sinto é desespero.
Não sei como tudo começou, já não me consigo lembrar. Está tudo muito nublado na minha cabeça.
Lembro-me de pensar que não tinha nada, que me faltava tudo – apesar do que tinha à minha volta. Por isso decidi deixar isso para trás e ir em busca das coisas que me preenchessem esse vazio.
Disseram que me tinha tornado egoísta e supérfluo. Mas eles não sabiam o quão era bom sentir as coisas no momento: quando queria, elas eram minhas.
Isso enchia-me, fazia-me feliz…assim achava eu.
Os anos passaram e buscava cada vez mais coisas que me dessem prazer – precisava de me sentir… seguro talvez. Mas quanto mais procurava, mais sentia o desespero a crescer, até que se tornou insustentável. Perguntava-me sobre o que é que estava a acontecer, o que é que estava a mudar. Antes não era assim. É como se tudo o que eu agarrasse se diluísse imediatamente.
Foi ai que reparei que era apenas desespero: sem forças para me agarrar a algo, sem sequer saber no que me agarrar.

Hoje…já não vejo sinais de vida à minha volta, está tudo seco e em constante decadência e degradação.
Tudo aquilo que me restava foi comido pelo tempo.
Perdi-me…
Como é que eu errei tanto?
Sinto que hoje é o meu último dia… e não sei como o impedir.
Será que o céu ainda chora por…chuva?! Aqui?!
Délio Melo quarta-feira, novembro 23, 2005 | 1 comments |

segunda-feira, novembro 14, 2005

Um novo sol para mim (fim)

Aquelas imagens daquela criança… aquela familiaridade que eu senti desde o primeiro momento que o vi… era o nosso filho. Só de pensar em aborto tremo por dentro de tristeza. Só de pensar naquilo de que nos iria privar, a Deus e a todos os que nos amam também, eu não quero ser irresponsável nem mais um dia. Estou farta de viver com medo de coisas que nunca vão acontecer, de demónios que só existem na minha cabeça.
Eu não quero ser apenas mais uma: como se o mundo não gostasse de mim e que eu não significo nada aqui.Eu preciso de ti. Ficas do meu lado?
Délio Melo segunda-feira, novembro 14, 2005 | 9 comments |

domingo, novembro 13, 2005

Um novo sol para mim (3 de 4)

Estava tudo a correr tão bem. Sentia uma felicidade tão grande… nunca tinha sentido isso antes.
E depois ficou tudo escuro outra vez.
Quando vi outra vez uma luz a sair do meu lado pensei que o sonho se estava a repetir: aquele ponto de luz fez-se novamente em criança; ela mexia-se como a outra e tudo.
Mas quando o preto desapareceu outra vez não havia berço à minha frente, mas uma mulher deitada numa cama. Eu conhecia-a. Olhei, olhei e foi ai que me lembrei: era a noiva daquele rapaz.
Vi-a a acordar com um sorriso. À frente dela estava esse rapaz com uma criança ao seu lado e outra ao colo. Ele disse-lhe qualquer coisa e depois poisou o bebé que tinha nos braços, no colo dela. O pequeno que estava ao lado do pai pôs-se logo ao lado da mãe para brincar com o bebé. O pai a sorrir, virou-se para ele e disse-lhe: “Olha, agora já tens uma mana para brincares.”
- Ainda houve mais?
- Houve. E foi a melhor parte.
Depois daquela cena no quarto muitas mais crianças apareceram, e eles estavam já bem mais velhos. Estavam eles, e acho que quatro crianças e dois casais… eram de certeza os dois irmãos.
Devias ter visto aquela casa… quem me dera que a minha família fosse assim: mal se abrem uns com os outros, quanto mais sorrisos sinceros.
O sonho estava a correr tão bem nesse momento…mas as imagens que eu vi começaram todas a recuar – algo que só ia perceber mesmo mais à frente. Foi uma coisa estranha ver uma vida a recuar tão depressa.
Estava outra vez sentada no banco, somente com aquele homem ao meu lado. Antes que eu tentasse ganhar forças para me voltar para ele, pegou-me na mão e levou-me para cima de uma nuvem.
Sentamo-nos e ele perguntou-me se sabia de quem era aquela criança. Disse-lhe que não, que não sabia e ai disse-me que ia já perceber.
Quando me perguntou porque é que queria fazer um aborto fiquei a olhar para ele sem saber como é que ele sabia e sem saber o que dizer até. Disse-lhe que não tínhamos dinheiro para cuidar de uma criança, nem estávamos preparados para lidar com essa situação. Mas acho que ele já sabia o que eu pensava porque começou a sorrir e disse-me:
- Não tenhas medo de levar a gravidez até ao fim, eu vou estar sempre do teu lado quando precisares.
Sabes, sempre que uma pessoa tira a vida a um filho meu quebra-me o coração. Tirar a vida a um ser humano, seja no primeiro de sua vida, seja no último, por qualquer razão que seja, é negar aquilo de que vos fiz, percebes?
Vocês são amor: vocês são em mim e eu em vocês.
Se decidires tirar essa vida de dentro de ti vais estar a negar-me, a negar-te a ti própria, como também a todos aqueles que amas e te amam. No fundo vais por de lado tudo o que existe em mim e tudo o que sai de mim.
Deixa-me dar-lhe vida. Eu amo-o muito, e ele vai ser muito importante para mim, tanto como tu és.
Aceita-me e vais perceber aquilo para que nasceste, chega de sofrimento sem necessidade. Quem sabe se aquela criança que tu viste não será o elo de ligação da tua família.”Depois calou-se, e estendendo a mão fez nascer outra centelha de luz. Mas desta vez, em vez de a soprar para longe de mim, bufou-a na minha direcção fazendo-a entrar no meu corpo.
Délio Melo domingo, novembro 13, 2005 | 3 comments |

sábado, novembro 12, 2005

Um novo sol para mim (2 de 4)

Sonhei que estava sentada num banco com alguém ao meu lado. Eu tinha vontade de olhar para o meu lado mas estranhamente, nunca tinha forças para o fazer.
À minha volta estava tudo branco até que de repente um lençol preto me cobriu.
Não via nada…até que um ponto brilhante apareceu ao meu lado. Quando o vi reparei que pairava sobre uma mão.
Escutei um sopro e vi aquela luzinha caminhar pelo ar até parar à minha frente. Parada, aquela mesma luzinha começou-se a transformar num embrião e depois, num bebé.
Quando reparei, não havia só aquela cor negra à minha volta, havia umas coisas esquisitas ramificadas.
Foi ai que percebi que estava dentro de uma barriga – quando vi um cordão a sair do bebé.
Durante um bocado ainda vi a criança a mexer-se, a dormir, a por o dedo na boca – até parecia um anjo. E o mais estranho é que enquanto fazia isto ele ia crescendo.
De repente aquela escuridão foi sugada e à minha frente ficou a imagem de um berço com uma criança a rir-se.
Aquelas gargalhadas eram uma coisa doutro mundo. Nunca tinha percebido quão bonito o riso de uma criança podia ser.
Quando o berço se foi fiquei mesmo triste em vê-lo desaparecer. Queria agarra-lo mas não me conseguia levantar.
Mas antes de tudo voltar a ficar branco, um jardim apareceu. Estavam lá muitas crianças a brincar, mas houve uma que me pareceu familiar, não sei porquê. Sentia que conhecia aquela cara de algum lado.
Por acaso era uma criança linda: um rapazinho forte, com olhos claros, azuis, acho eu, e sempre sorridente.
Aconteceu uma coisa mesma engraçada nessa altura.
Quando um amigo dele tropeçou e raspou com o joelho no chão, ele foi lá e disse-lhe: “não chores, o dói-dói já vai passar, queres ver.” Depois molhou a mão com saliva e esfregou a mão no joelho do outro.
Depois disso as cenas foram passando, umas mais alegres e outras mais tristes. E eu acabei por me apegar mais e mais àquela criança, acreditas?
Eu é que fiquei toda feliz quando o vi a dar o primeiro beijo – devias de ter visto a cena –, a entrar na sala de aulas da faculdade. Ele até se casou com a namorada e tudo!
Quando vi o padre no sonho não estava a perceber o que se estava a passar, mas quando o vi mais a namorada, ambos lindos, percebi tudo.
Délio Melo sábado, novembro 12, 2005 | 0 comments |

sexta-feira, novembro 11, 2005

Um novo sol para mim (1 de 4)

- João, eu não quero ir à consulta.
- Mas porquê? A ideia foi tua até.
- Eu sei… mas agora não posso.
- Não podes porquê? Não te estou a perceber.
- Ontem aconteceu-me algo que me mostrou que iríamos cometer o maior erro das nossas vidas se levássemos isto à frente.
- O que é que aconteceu? Falaste com alguém? Foi isso?
- Sim e não. Eu não sei muito bem como te hei-de explicar. Só te peço que ouças até ao fim e que tentes compreender.
- Está bem.
- Eu ontem de noite estava sozinha na cama a pensar sobre hoje e quanto mais pensava mais sentia o coração pesado, até que não consegui evitar e comecei a chorar sem parar. Eu dizia a mim própria que não havia outra solução, que não estava pronta mas não sei porquê, havia algo dentro de mim que queria resistir e que me dizia que estava cheia de medo de tomar a decisão.
A dor tornou-se tanta que por minutos nem conseguia respirar direito. Sentia as minhas costas e peito a quebrarem lentamente, mas lá acabei por adormecer.
Não sei como é que os meus pais não me ouviram a chorar
- Quando adormeci tive o sonho mais esquisito.
Délio Melo sexta-feira, novembro 11, 2005 | 0 comments |

quarta-feira, novembro 02, 2005

Coberta de terra

Tu estavas coberta de terra quando te vi pela primeira vez.
Como tantas outras vezes, como quem não gostou do que viu, iria olhar para o lado – de certeza que há coisas mais belas neste mundo para descansar os meus olhos.
Se eu tivesse feito isso, o que é que eu faria de mim? Mais um?
Ainda bem que decidi esperar que a terra largasse o teu corpo para poder realmente ver a tua forma.
Não saiu tudo de uma vez, mas valeu a pena a espera: eras mais do que parecias… mais bonita do que parecias.
Sempre que olho para ti e vejo um coração que esteve soterrado em tempos, pergunto-me se aquilo que decidi não olhar, não perscrutar, era aquilo que me fazia falta.
Não decidi olhar para ti e esperar que te limpasses apenas para ver o que saia, decidi ajudar-te para depois pedir que me ajudasses a mim. Também eu estou sujo – mais nos olhos que noutra parte de mim, aliás.
Vivi um mundo perfeito que só existia quando e como eu queria.
Délio Melo quarta-feira, novembro 02, 2005 | 1 comments |