De Palavras e Sonhos

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Era quente

O chão era completamente branco sem textura alguma mas tocando-lhe com os pés descalços sentia-me num areal. No fim da “praia” começava a água, e ao fundo um enorme rochedo a pará-la no horizonte.
Não me lembro de alguma vez ter visto cenário como este... era para além de belo. Sedutor ao ponto de convidativo.

Andei em direcção à água. E cada passo em seu encontro fazia crescer em mim uma vontade de entrar nela que me controlou por completo assim que cheguei ao ponto onde senti aquela água quente a banhar-me os dedos dos pés.
Levantava o pé para começar a andar quando uma pomba branca poisou ao meu lado e ali ficou quieta, com o olhar virado para a água.
Foi ai que aconteceu algo muito esquisito, quase como se o tempo se repetisse, mas com outro fim: era como se eu tivesse visto a pomba a ir beber água e no fim acabasse por cair para o lado, morta. Mas num esfregar de olhos ela já tinha voltado para o mesmo sítio onde tinha poisado de início.
Olhei meio confuso, mas não consegui fazer caso daquilo. Pareceu-me um temporário desfazamento de consciência, talvez provocado pela luz ou sensação de calor.

Entrei.
De costas na água e virado para cima, aquecendo as costas, a paz banhava-me ao sabor do moviento da água.
Era tão bom, tão...quente. Não fazia qualquer esforço para continuar a boiar e mesmo assim continuava ali estático, de olhos entre abertos e conseguindo ouvir perfeitamente a minha respiração (como se fosse o único ruído no mundo), a senti-la.

Não sei quanto tempo passou desde que entrei na água, sei que a dado momento a minha vista começou a ficar turva. Apercebi-me então que estava lentamente a afundar-me. O meu coração dizia-me para me mexer mas a minha mente dizia que não havia problema. E sem vontade própria, deixei-me ir mais um bocado...e mais um bocado..até que... a água subitamente arrefeceu ao ponto de me deixar regelado.

Em sobressalto mexi-me abruptamente, olhei em volta, para cima e para baixo e apercebi-me de algo que me congelara mais que a água: não havia fundo à vista naquele mar, e aquele enorme rochedo tornara-se ainda mais amedontrador. Olhei-o de frente mas consegui, de um só olhar, imagina-lo e senti-lo em toda a sua dimensão...era claustrofóbica aquela sensação.
Sentia-me paralisado pelo medo e as minhas lágrimas perdiam-se na imensidão da água. Tentava respirar mas não conseguia de tão comprimido que estava. O meu coração parecia querer abandonar-me e sair de mim arrancando o pouco de vida que ainda me restava.

Foi então que acordei com os olhos virados para o sol. Levantei-me e a pomba estava ainda ao meu lado, a olhar para mim...ainda não tinha entrado... na água?!
Délio Melo quarta-feira, fevereiro 28, 2007

2 Comments:

Li como se pegasse num livro e viajasse,por instantes, em descrições familiares mas sempre novas. A diferença? Não toquei no papel nem senti o cheiro da tinta nas folhas... ;)
Arigatou! :)

Add a comment