De Palavras e Sonhos

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Três céus - XII

Ele:

Caramba… duas semanas tinham passado a correr – e só tinha mais o dia de hoje e o de sábado para estar com ela.
Eu tinha que lhe preparar alguma coisa em especial. Sabe-se lá quando é que nos íamos voltar a ver. Vivermos em sítios diferentes não ajudava em nada, mesmo nada.
De início, quando ainda pensava em ter algo com ela ou até quando realmente começamos algo, a separação não me passava pela cabeça… mas agora, a ideia de me separar dela fazia-me suspirar de tristeza cada vez que pensava nisso. E embora 99,9% de mim dissesse que não queria saber disso ou do quanto iria doer muito em breve, aquele 0,1% começava a ganhar voz.
A ideia de dor e de não saber quando é que voltaria a vê-la ou até falar com ela (já não pedia mais, apenas vê-la já me deixaria feliz) … duvido que alguém não ficasse com lágrimas nos olhos por causa desta situação.

Independentemente de como as coisas iriam ser daqui para a frente, o que importava era que ainda estava com ela. E isso era razão para ficar feliz.

Mas fazer-lhe o quê… e se….
Ao almoço iria falar-lhe disso. Só que durante o almoço estava a custar tirar as palavras cá para fora. E por causa disso, acabou-me por sair tudo menos o que tinha pensado em dizer: “O que é que queres fazer para despedida?”.
Levantou logo a cara e olhou-me nos olhos fixamente. Vi que aquela pergunta não lhe tinha caído bem: ficou surpresa de início, mas depois só restou um olhar triste.
Sem me responder logo, desviou-me o olhar e passado uns segundos olhou-me novamente “Já começaste a pensar nisso também?” – perguntou.
Depois de ouvi-la a dizer aquilo daquela maneira, fui eu que fiquei triste. “Não fiques assim.” – Disse-lhe. Pausei um momento à procura do que lhe dizer e continuei: “Claro que tenho pensado nisso, especialmente nestes últimos dias. E não é algo que me agrade… mesmo nada até. Especialmente tendo em conta que não sei quando te poderei ver outra vez.” – a conversa já me começava era a deixar com um nó na barriga…
“Queres fazer alguma coisa especial amanhã à noite? Eu já tinha pensado em algo, mas se tiveres algo que queiras fazer, diz.” – Perguntei novamente.
“Eu só queria passar a noite contigo… hoje! Vai ser a primeira vez que vamos dormir juntos… na mesma cama. Ainda que seja só dormir, isso vai ser muito especial para mim e se o fizer só como despedida vai-me magoar muito.” – Respondeu-me olhando-me com ternura nos olhos.
Não estava à espera de ouvir aquilo…“Se é isso que tu queres, está bem!” – disse-lhe.

Tinha que tratar de lhe tornar a noite de hoje especial.

Estive das 7 às 8 horas a preparar-lhe um jantar feito totalmente por mim, com direito a mesa com velas – ainda que à hora que íamos jantar ainda ia estar sol, esperava que ela gostasse.

Para mim cozinhar não tinha sido mais do que grelhar uns bifes ou fazer arroz (sempre sem sal), felizmente isto tinha arranjo: nada que um telefonema à mãezinha, para saber como preparar uma refeição especial, não resolvesse!
Quando viu a mesa toda posta com a comida e velas… só posso dizer que ficou feliz! Disso tenho certeza!
Como sabia que ela adorava praia, pus a mesa junto da varanda – e sim, com as velas acesas – para poder ter como imagem de fundo o oceano. Riu-se da cena mas disse que tinha adorado a surpresa, até o facto de ter as velas acesas àquela hora do dia.

Tudo parecia estar perfeito: o jantar saiu como devia sair e ambos estávamos calmos e relaxados o suficiente para não deixar que a noite se tornasse uma despedida - e o jantar à beira da varanda com aquele horizonte enorme à nossa frente, parecia fazer com que o céu fosse só para nós.

Depois de um prolongado jantar com muitos risos e conversa, levantamos a mesa e sentamo-nos na varanda.
Com o entrar da noite o céu perdia o brilho do sol e começou a dividir-se em três bocados, cada qual com a sua textura e cor.
Sentado ao lado dela, dei-lhe a mão e disse-lhe: “Estás a ver como o céu tem hoje três cores?”
“Fica muito bonito assim!” – respondeu enquanto os explorava com olhos.
“Não sabias mas tem um significado.” Ficou a olhar para mim com ar de espantada, talvez porque não o tinha dito com um sorriso na cara, como da primeira vez.
“Aqueles três bocados têm um significado especial para mim… para nós. O bocado mais escuro – longe do sol – foi antes de te conhecer: uma altura onde amor rimou com dor. O bocado do meio, onde a luz espreita, foi no dia em que te conheci, onde me fizeste sentir algo que sempre desejei encontrar dentro de mim. Junto do sol, onde tudo brilha… para mim, é igual ao nosso namoro. Não me interessa que tenham sido só duas semanas contigo. Eu amo-te e isso é tudo o que me importa! Contigo eu sinto-me feliz como nunca imaginei.
Mas o sol é que é agora o mais importante para mim: o nosso futuro - que eu desejo que seja tão brilhante quanto aquela estrela. Não me interessa que mores longe de mim – ainda há a possibilidade de vires estudar para o Porto – eu hei-de ir ter contigo sempre que puder.”
Olhei-a nos olhos e disse-lhe da maneira mais sincera e sentida que podia: “Eu amo-te.” Descansei o queixo por cima dos braços cruzados em cima dos olhos, respirei fundo e sorri-lhe.
Quando ela não reagiu às minhas palavras assustei-me. Pensei que era o único que estava a sentir aquele momento. Secalhar mais do que assustado, o mais justo será dizer que fiquei espantado… estava à espera que ela fizesse algo, fosse o que fosse…chorasse, sorrisse… mas não, apenas me olhava sem esboçar uma reacção.

Foi quando uma lágrima lhe caiu do rosto, e depois outra…e outra.
“Será que ela gosta assim tanto de mim?” – pensei para mim.
Abracei-a. E ali, no chão, ficamos sentados sem dizermos uma única palavra um ao outro durante minutos e mais minutos.

Eu nunca imaginei que fosse reagir assim. O facto de ela reagir assim deixou-me, no mínimo… eu nem sei dizer. Não estava à espera.

A noite caiu e por baixo dela, soterrado, ficava aquele momento de súbita tristeza.
Esta não seria esta a nossa última noite juntos mas sabia a tal. Não sei bem explicar por quê, mas fiquei com esse sentimento mal entramos os dois no quarto. Apesar de falarmos e de nos beijarmos como se estivéssemos no dia de ontem, algum desse “pressentimento” incorporou muitos dos meus olhares até cair no sono.
Mas ela estava normal, por isso não podia ser eu a estragar o momento e tentei aproveitar ao máximo aqueles últimas memórias que iríamos criar naquele quarto, naquele Verão.


Ela:


Como ontem, o dia parecia ter começado bem, mas ao almoço tudo mudou com apenas uma pergunta: “O que é que queres fazer para despedida?” - logo o que eu não queria ouvir da boca dele…
A pergunta apanhou-me de surpresa. Como é que haveria de reagir a um assunto que tentei evitar tocar durante a semana que passava? - Em um segundo perdi toda a vontade de falar…
Depois perguntou-me o que queria fazer no sábado à noite, como despedida. Respondi-lhe com o coração: queria passar a noite com ele. Mas não ia aguentar faze-lo como despedida, por isso pedi-lhe para ser ainda naquele dia.

À tarde saiu mais cedo de minha casa e pediu-me para ir ter a casa dele às 8-8:15 porque tinha uma surpresa para mim.

Quando ele saiu fiquei quieta no sofá a pensar. Pensei vezes sem conta como seria dali para a frente… sem ele, o único que me fez feliz. E então, a minha mente encheu-se de pensamentos e mais pensamentos que se misturaram com passadas tristezas e acabei por começar a chorar, sozinha.
Pensava se iria conseguir levar isto até ao fim. A ideia de um sofrimento futuro sempre me atormentou e encheu-me de medo. Vezes sem conta lhe resisti apesar do sofrimento, mas nada me doeu tanto como a ideia de me despedir dele. Como é que a única coisa que me fez feliz ia desaparecer em breve…

Cheguei a casa dele à hora que me pediu.
A surpresa que me preparou foi a melhor coisa que me poderia ter acontecido: ele próprio preparou o jantar e montou uma mesinha com uma toalha vermelha e velas acesas junto da varanda, para eu poder ver o oceano enquanto comia – “eu juro que o amo…” – pensei para mim.
As velas acesas fizeram-me rir mal as vi.
Com tanto carinho foi fácil ficar novamente feliz.

Depois do jantar sentamo-nos no chão da varanda dele e ficamos a falar e a ver o pôr-do-sol - De casa dele é que se tinha uma vista bem bonita.
De repente deu-me a mão, olhou para mim de uma maneira… e disse-me: “Estás a ver como o céu tem hoje três cores?”
Realmente, ficava muito bonito.
Mas havia algo mais: “Não sabias mas tem um significado.”
“O bocado mais escuro – longe do sol – foi antes de te conhecer: uma altura onde amor rimou com dor. O bocado do meio, onde a luz espreita, foi no dia em que te conheci, onde me fizeste sentir algo que sempre desejei encontrar dentro de mim. Junto do sol, onde tudo brilha… para mim, é igual ao nosso namoro. Não me interessa que tenham sido só duas semanas contigo. Eu amo-te e isso é tudo o que me importa! Contigo eu sinto-me feliz como nunca imaginei.
Mas o sol é que é agora o mais importante para mim: o nosso futuro - que eu desejo que seja tão brilhante quanto aquela estrela. Não me interessa que mores longe de mim – ainda há a possibilidade de vires estudar para o Porto – eu hei-de ir ter contigo sempre que puder.
Quando disse aquilo parecia que me tinha esquecido de respirar. Fiquei a olhar para ele a sentir cada palavra que ele me disse.
E quando ele me disse “Eu amo-te”… o meu coração disparou.
“Eu hei-de ir ter contigo sempre que puder.” – Aquelas palavras eram tudo o que queria ter ouvido, mais do que amo-te. Eu só o queria…
Aquela frase trouxe à tona tudo o que tinha chorado de tarde, e outra vez, chorei. Mais, quando me abraçou.
Ainda ficamos naquela situação um bocado mas depois ele começou-me a tentar animar e ai a tristeza foi passando - agora era eu que via os três céus…

Quando o frio começou a fazer tremer já a noite se tinha levantado à muito. Comecei a sentir novamente aquele nervoso miudinho quando caminhávamos para o quarto dele. Até parecia que ia ser hoje a “primeira vez”.
A janela no quarto dele apontava também as vistas para o mar. Disse-me para dormir do lado da janela para poder ver o luar a reflectir na água do mar.
Era uma imagem muito bonita, e sem nada pela frente que obstruísse a vista, ali fiquei vidrada, já ele dormia há muito.
Aquele silêncio passou rapidamente de prazer e deleito a tristeza, ao pensar em como iria agir amanhã.
Eu não queria passar por um “último dia juntos” nem “despedidas”; não queria vivê-lo a pensar nisso… não queria mesmo. Era demais para mim… Então decidi.
Délio Melo quinta-feira, dezembro 20, 2007

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